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miércoles, 23 de septiembre de 2020

"Hutukara" Cuento de Íris Cavalcante


Os reflexos lunares alumiam o espelho de um rio. Espelho de água morta. Uma criatura não identificada agoniza em algum lugar de uma terra devastada. Lamentos rebentam a magnitude do silêncio. Eram ruínas, cadáveres, odores.

 Componentes abióticos infectados inibem qualquer possibilidade de vida. A velocidade do som confronta a da luz e as leis da Física, todas inalteráveis naquele cenário de destruição e morte.

 Mr. Thompson segue em passadas lentas, efeito bullet time, atraído pela voz. Não sabia se de humanos, aves, répteis ou qualquer outra espécie animal. Teorias, estudos científicos e toda uma tecnologia de ponta do satélite Eternity preparou-o para o que podia encontrar no planeta Terra. Em suas piores projeções, não imaginava confrontar-se com uma terra desolada, que chorava sua dor, iluminada somente pela luz mortiça da lua. Um cenário de medo.

 Sim, mas seres intergalácticos desconhecem o que é medo. Do pequeno planeta de onde vinha, ele reinava absoluto. Agora estava só, no entanto.

 Não havia árvores, nem luz, o ar — se havia — era irrespirável. Rios mortos. Partículas de meteoros, rejeitos de minérios, fragmentos de ouro e pedras preciosas, aço, ferro, metais os mais diversos, casas destruídas, taperas, palafitas, ocas, imensas crateras no solo, corpos de humanos e animais carbonizados ou desaparecidos na imensidão das águas e da floresta. Entulhados tal como pedra sobre pedra. Nem as pedras resistiram à voracidade do fogo da gente branca, a selva queimada era vista de todo o sistema solar, como um imenso cogumelo cor-de-crepúsculo.

 Da superfície terrestre, Mr. Thompson fitava o infinito, usava uma submetralhadora do tipo Al Capone, para proteger-se. Percebia-se minúsculo apesar de seus mais de dois metros de altura, o antagônico reconhecimento da pequenez de uma máquina que pouco sabia de humanos, nem de suas cores, tribos ou etnias, o que dirá sentimentos. Apenas que podiam ser úteis às pesquisas. Julgava-se uma máquina de fazer humanos, caso fosse necessário para a sobrevivência da espécie.

 Imaginou estar próximo à lua, apesar de anos-luz de distância. Reconhecia cada cratera do Mare Tranquillitatis, até arriscou que vira o tal Jorge, espada em punho. Sempre habitou um corpo celeste próximo à lua, mas tão-somente agora era capaz de compreender que um infinito espaço interestelar os separava. Nunca mais voltaria a outro lugar do sistema solar. Era somente um anônimo na Amazônia, um dos biomas mais ricos em biodiversidade do planeta, reduzido ao caos.

 Pois ali era seu novo habitat e havia de encontrar uma forma de subsistência. Seu tempo era contado diferente e pelas estatísticas ainda durava alguns milhares de anos terrestres. Dali em diante, havia toda uma vastidão a ser desbravada. O cobiçado planeta azul não tinha mais habitantes, nem orbitava mais em torno do sol porque não havia sol, toda a luz vinha do satélite lunar. 

 Planos de iniciar um reinado, mas não sabia que espécie de súditos encontraria naquela terra inóspita, nem que tipo de vida ainda havia ali. Microbiana? Bacteriana? Binários? Não-binários? Havia seres vivos invisíveis a olho nu? Todas as informações capturadas pelo Eternity perderam-se no grande fogo, amostras de rocha, solo, árvores, DNA.

A voz ainda gemia numa outra extremidade da terra devastada, como se travasse um duelo vida versus morte. Mr. Thompson atravessou os gemidos até o murmúrio além deles, seus passos agora eram longos. Jamais vira humanos antes e contemplou letárgico e indiferente, o primeiro que conhecia. Por baixo da pele curtida marrom do sol ardia uma selva inteira. Rosto em tintura de urucum, braços riscados em vida vegetal, um comprido nos cabelos pretos e lisos, seios intumescidos e nus, um elevado no abdômen e o ventre ensanguentado. Uma Yanomami. Dona da terra, não um animal de caça, não uma estrangeira em seu planeta. Dentre as pernas, apontava uma miniatura, em meio a líquidos e dores lacerantes. Uma quase inaudível ternura.

 Mr. Thompson atualizou a programação de seus comandos. Ele reconheceu quem reinava naquela terra. Tudo bem que ele não emitiu reações ou sentimentos, afinal era uma máquina. Deu meia volta e seguiu em meio às ruínas, alheio à dor humana. A empatia será sempre a diferença entre alguns homens e mulheres e máquinas e árvores e bichos e homens.

 A mulher puxou para si a cria que acabara de nascer, símbolo da continuidade de uma raça. Com um objeto pontiagudo, ela rompeu o cordão umbilical que faziam mãe e filha, uma só. Os componentes abióticos passaram por um incompreensível processo de purificação, não explicável no campo das ciências, convocado pelos espíritos dos xamãs. A mãe levou a criança ao peito que vazava vida, a criança começou a sugá-la com uma fome secular. Olhos bem abertos faziam o reconhecimento do território de seus ancestrais. Agora eram em duas, sobreviventes da selva morta pelo fogo amarelo, vermelho e branco. Um Big Bang que nem Stephen Hawking foi capaz de prever, mas os xamãs alertaram a raça humana.

 Eram em duas, mãe e filha, e dali em diante, não há mais quem duvide que o futuro da humanidade é o feminino. De uma parte mulher e terra, renasce um planeta. Hutukara.

 

**

 Los reflejos lunares iluminan el espejo de un río. Espejo de agua muerta. Una criatura no identificada está muriendo en algún lugar de un páramo. Las lamentaciones rompen la magnitud del silencio. Eran ruinas, cadáveres, olores.

 Los componentes abióticos infectados inhiben cualquier posibilidad de vida. La velocidad del sonido se enfrenta a la luz y las leyes de la física, todo lo cuál no cambia en ese escenario de destrucción y muerte.

 El Sr. Thompson lo sigue a pasos lentos, efecto de tiempo de bala, atraído por la voz. No sabía si eran humanos, pájaros, reptiles o cualquier otra especie animal. Las teorías, los estudios científicos y toda la tecnología de punta del satélite Eternity lo prepararon para lo que podría encontrar en el planeta Tierra. En sus peores proyecciones, no podía imaginarse enfrentado a una tierra desolada, llorando su dolor, iluminada solo por la tenue luz de la luna. Un escenario de miedo.

 Sí, pero los seres intergalácticos no saben qué es el miedo. Desde el pequeño planeta del que vino, reinó absoluto. Sin embargo, ahora estaba solo.

 No había árboles, no había luz, el aire, si lo había, era irrespirable. Ríos muertos. Partículas de meteorito, relaves de mineral, fragmentos de oro y piedras preciosas, acero, hierro, los más diversos metales, casas destruidas, taperas, pilotes, huecos, cráteres inmensos en el suelo, cuerpos de humanos y animales carbonizados o desaparecidos en la inmensidad de las aguas. y el bosque. Relleno como piedra sobre piedra. Ni siquiera las piedras resistieron la voracidad del fuego de los blancos, la jungla quemada se veía desde todo el sistema solar, como un enorme hongo crepuscular.

 Desde la superficie de la tierra, el Sr. Thompson miró al infinito, usando una metralleta Al Capone para protegerse. Se percibía minúscula a pesar de sus más de dos metros de altura, el reconocimiento antagónico de la pequeñez de una máquina que sabía poco de los humanos, ni de sus colores, tribus o etnias, que dirán sentimientos. Solo que podrían ser útiles para la investigación. Se pensaba que era una máquina creadora de seres humanos, si era necesario para la supervivencia de la especie.

 Imaginó estar cerca de la luna, a pesar de estar a años luz de distancia. Reconoció todos los cráteres del Mare Tranquillitatis, incluso se arriesgó a haber visto a ese Jorge con la espada desenvainada. Siempre habitó un cuerpo celeste cerca de la luna, pero solo ahora pudo entender que un espacio interestelar infinito los separaba. Nunca volvería a otro lugar del sistema solar. Solo era anónimo en la Amazonía, uno de los biomas con mayor biodiversidad del planeta, reducido al caos.

 Porque este era su nuevo hábitat y tenía que encontrar una forma de subsistencia. Su tiempo se contaba de manera diferente y, según las estadísticas, todavía duró unos pocos miles de años terrestres. A partir de entonces, hubo una vasta extensión por explorar. El codiciado planeta azul no tenía más habitantes, ni orbitaba más alrededor del sol porque no había sol, toda la luz venía del satélite lunar.

 Planea comenzar un reinado, pero no sabía qué tipo de sujetos me encontraría en esa tierra inhóspita, ni qué tipo de vida quedaba allí. ¿Microbiano? ¿Bacteriano? Binarios? ¿No binario? ¿Había seres vivos invisibles a simple vista? Toda la información capturada por Eternity se perdió en el gran incendio, muestras de roca, suelo, árboles, ADN.

 La voz aún gemía en el otro extremo de la tierra devastada, como si estuviera luchando en un duelo de vida contra muerte. El Sr. Thompson pasó por los gemidos hasta que el murmullo más allá de ellos, sus pasos ahora eran largos. Nunca antes había visto humanos y parecía letárgico e indiferente, el primero que supo. Debajo de la piel morena bronceada del sol ardía toda una jungla. Rostro en tinte de achiote, brazos veteados de plantas, uno largo de pelo negro y liso, pechos hinchados y desnudos, uno levantado en el abdomen y vientre ensangrentado. Un yanomami. Dueño de la tierra, no un animal de caza, no un extranjero en su planeta. Entre las piernas, señaló una miniatura, en medio de líquidos y dolores lacerantes. Una ternura casi inaudible.

 El Sr. Thompson actualizó su línea de comandos. Reconoció quién reinaba en esa tierra. Está bien, no emitió reacciones ni sentimientos, después de todo era una máquina. Se volvió y atravesó las ruinas, ajeno al dolor humano. La empatía siempre será la diferencia entre algunos hombres y mujeres y máquinas y árboles y animales y hombres.

 La mujer sacó a su cría recién nacida, símbolo de la continuidad de una raza. Con un objeto punzante, rompió el cordón umbilical que formaba a madre e hija, una. Los componentes abióticos pasaron por un incomprensible proceso de purificación, inexplicable en el campo de las ciencias, convocados por los espíritus de los chamanes. La madre llevó al niño al pecho que goteaba, el niño comenzó a succionarlo con un hambre secular. Los ojos bien abiertos reconocieron el territorio de sus antepasados. Ahora eran dos, supervivientes de la selva asesinados por fuego amarillo, rojo y blanco. Un Big Bang que ni siquiera Stephen Hawking pudo predecir, pero los chamanes advirtieron a la raza humana.

 Eran dos, madre e hija, y desde entonces, ya no hay nadie que dude de que el futuro de la humanidad es el femenino. De una parte mujer y tierra, renace un planeta. Hutukara.

 

Traducción: Revista Innombrable

  

* Íris Cavalcante, escritora independiente, nacida en Baturité-Ceará-Brasil. Debutó en la literatura en 2003, participó en colecciones de cuentos, crónicas y poemas y publicaciones en revistas literarias. Fue finalista del Premio Jabuti 2018 en la categoría de poesía con la obra Vento do 8º andar.


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